Produção de ovos em sistemas alternativos: tendências e desafios*

produção alternativa de ovos

Joel Estevinho
European Poultry Technical Manager, Alltech

A 10 de Junho de 2021, no seguimento da iniciativa de cidadania europeia “Fim da era da gaiola”, liderada por 170 Organizações Não Governamentais (ONGs) e assinada por 1,4 milhões de cidadãos, de todos os Estados-Membros da União Europeia (UE), o Parlamento Europeu aprovou a Resolução 2021/2633, na qual instou a Comissão Europeia (CE) a propor instrumentos legislativos que conduzissem à eliminação da utilização de gaiolas na criação de animais em toda a UE. Em resposta a esta solicitação, a CE anunciou, em 30 de junho, que irá propor a proibição da utilização de gaiolas em todas as espécies pecuárias relevantes, incluindo as galinhas poedeiras. A CE deverá apresentar até ao final de 2023 a dita proposta, que incluirá um período de transição.

Longe de constituírem decisões espontâneas, estes recentes anúncios fazem parte de uma longa sequência de acontecimentos que fomentam a produção de ovos sem utilização de gaiolas. Mesmo antes da existência de um impedimento legal, vários produtores de ovos de grande dimensão, bem como muitas empresas de transformação de alimentos, de distribuição alimentar, de restauração e de hotelaria, deixaram já de produzir ou comprar ovos de galinhas alojadas em gaiolas, ou anunciaram que deixarão de fazê-lo brevemente. No âmbito destas questões, iremos debruçar-nos sobre alguns dos mais importantes desafios e tendências relacionados com a produção de ovos em sistemas alternativos.

Mesmo sem uma proibição legislativa, vários grandes produtores de ovos, grossistas, empresas de serviços alimentícios e redes de hotéis já estão tomando medidas contra os ovos de gaiola. Foto: Penn Comunicatie

A evolução dos sistemas de produção de ovos
Desde a sua domesticação, ocorrida há mais de 8.000 anos, as galinhas têm sido tradicionalmente alojadas no solo. As aves de quintal, ainda comuns em muitas regiões do Mundo, são habitualmente alojadas no solo. As gaiolas convencionais, desenvolvidas na década de 1930, tornaram-se o sistema de alojamento predominante à medida que avançou a industrialização da avicultura de postura. Estas gaiolas trouxeram importantes vantagens aos avicultores, nomeadamente uma utilização mais eficiente do terreno disponível, a possibilidade de uma plena automatização do processo produtivo, maior facilidade de manejo das aves, maior higiene, menor frequência de doenças infecciosas, menor consumo de ração e menor custo de produção. Apesar do sucesso das gaiolas para a produção de ovos, parte da Sociedade desaprovou esses equipamentos ainda numa fase relativamente precoce. Logo na década de 1960, o bem-estar animal adquiriu destaque na Europa e a utilização de gaiolas começou a ser alvo de críticas, por se considerar que restringiam o movimento e a expressão de certos padrões de comportamento das poedeiras.
As gaiolas melhoradas, também denominadas de enriquecidas, surgiram na década de 1980. Estes equipamentos constituíram uma tentativa de conciliar “o melhor de dois mundos”: por um lado, as vantagens das gaiolas em termos de higiene e eficiência de produção; por outro lado, alguns dos benefícios inerentes aos sistemas livres de gaiolas. Além de disponibilizarem mais espaço por ave do que as suas congéneres convencionais, as gaiolas melhoradas estão equipadas com poleiros, ninho, material que permita às galinhas esgaravatar e dispositivos de desgaste de garras.
É amplamente reconhecido que as gaiolas melhoradas, quando comparadas com as convencionais, permitem aumentar a expressão dos comportamentos das poedeiras, além de melhoraram a sua condição física. Todavia, o grau exato com que esses comportamentos podem ser expressos em gaiolas melhoradas suscitou alguma controvérsia, dado que a locomoção, o esgaravatamento, o bater das asas e o voo são limitados, ou mesmo impedidos, em todos os tipos de gaiolas.

Pressão contínua contra a utilização de gaiolas melhoradas
Apesar da existência de legislação comunitária que autoriza as gaiolas melhoradas, vários Estados-Membros proibiram nos respetivos territórios a utilização de qualquer tipo de gaiola para produção de ovos. Outros países da UE anunciaram também planos para banir a utilização de gaiolas.
Na UE, nos Estados Unidos e noutros países, são muitos os exemplos de empresas que têm contribuído para que a produção de ovos avance em direção a uma “era pós-gaiola”. No seu relatório “Egg Track” de 2020, a ONG Compassion in World Farming divulgou que dezenas de grandes produtores de ovos, empresas de transformação de alimentos, de distribuição alimentar, de restauração e de hotelaria, algumas com atividade a nível mundial, comprometeram-se a banir os ovos produzidos em gaiolas das suas cadeias de fornecimento. Algumas dessas empresas já completaram a transição para ovos de sistemas alternativos, e a maioria das restantes irá fazê-lo até 2025.

Embora permitam que as galinhas expressem todo o seu repertório comportamental, os sistemas sem gaiolas apresentam desafios específicos para os produtores de ovos. Foto: Ronald Hissink

Conforme seria expectável, nesses países a quota de mercado dos ovos produzidos em gaiolas sofreu uma abrupta redução em anos recentes. Enquanto que em 2008 mais de dois terços das poedeiras da UE estavam alojadas em gaiolas (68%), em 2020 essa cifra tinha-se reduzido para menos de metade do total de poedeiras do espaço comunitário (48%). Do mesmo modo, em 2009 a produção em sistemas alternativos representava apenas 5% do total de ovos produzidos nos Estados Unidos, mas atualmente é responsável por 29%, e prevê-se que atinja cerca de dois terços de quota de mercado no ano 2026.

Impacto económico dos requisitos do bem-estar das galinhas poedeiras
A Diretiva 1999/74/EC transformou radicalmente o panorama da produção de ovos na UE, além de ter inspirado a introdução de modificações na legislação do bem-estar das galinhas poedeiras noutros continentes. Em resumo, aquela Diretiva impôs aos avicultores importantes mudanças em dois momentos fundamentais: a partir de 2003 tornou-se obrigatória a existência de pelo menos 550 cm2 de superfície de gaiola por galinha (o anterior requisito era de 450 cm2), e em 2012 ocorreu a proibição de utilização de gaiolas convencionais. Fruto destas alterações, atualmente todas as poedeiras da UE têm de ser alojadas em sistemas alternativos (biológico, solo ou ar livre) ou em gaiolas melhoradas (com pelo menos 750 cm2 de superfície de gaiola por galinha).
Os requisitos do bem-estar das galinhas poedeiras são dispendiosos. O aumento da superfície por ave implementado em 2003 elevou o custo de produção por ovo em cerca de 3,4%, enquanto que a proibição das gaiolas convencionais em 2012 (acompanhada pelo incremento da superfície de gaiola para 750 cm2 por galinha) acrescentou outros 6,8% ao custo de produção em gaiolas. Ainda na UE, o alojamento das poedeiras no solo conduz a um aumento do custo de produção do ovo em 23%, comparado com o alojamento em gaiolas nas condições prévias a 2012 (gaiolas convencionais, 550 cm2 por ave). Estas cifras são similares às dos Estados Unidos, onde o custo de produção do ovo em gaiolas melhoradas (753 cm2 por ave) é 13% superior ao obtido nas convencionais (516 cm2 por ave), e o custo de produção no solo ultrapassa em 36% o das gaiolas convencionais. Quanto aos restantes países, as diferenças de custo de produção entre os diversos sistemas de alojamento serão provavelmente comparáveis às verificadas na UE e nos Estados Unidos.

Desafios associados à produção de ovos em sistemas alternativos
Apesar de permitirem às aves a expressão dos comportamentos que lhes são típicos, os sistemas alternativos apresentam importantes desafios aos avicultores.
Em média, a taxa de mortalidade é superior em sistemas alternativos, principalmente no de ar livre, quando comparada com a ocorrida em gaiolas melhoradas. Esta diferença é explicada pelo aumento da prevalência de picacismo/canibalismo, diversas infeções bacterianas e parasitas, e ainda pela ocorrência de episódios de amontoamento das aves. Além disso, as aves alojadas em sistema de ar livre são por vezes vítimas de predadores, e podem também ser infetadas com importantes doenças, por exemplo pela gripe das aves e pela doença de Newcastle, através do contacto com aves selvagens.
A humidade da cama e um elevado nível de amoníaco podem causar o surgimento de pododermatite (inflamação da pele de uma ou ambas as patas), que pode ser dolorosa para a ave afetada.
A prevalência de fraturas da quilha, um problema importante e que afeta o bem-estar das poedeiras, é maior em sistemas alternativos do que em aves alojadas em gaiolas.
Embora os lotes alojados em sistemas alternativos, se bem manejados, possam atingir bons desempenhos, a sua produtividade média pode ainda assim ser inferior à alcançada em gaiolas. Ademais, alguns ovos serão postos no solo / cama, e estes têm um maior nível de contaminação da casca por bactérias. Outra consequência negativa dos ovos postos no solo / cama é a possibilidade de ser desencadeado o comportamento de choco, que interrompe a produção de ovos das galinhas afetadas.
Os sistemas alternativos oferecem às poedeiras mais espaço para se movimentarem, o que aumenta o gasto de energia. Consequentemente, o consumo de ração e o índice de conversão (IC) são habitualmente mais elevados nesses sistemas do que em gaiolas.

Conclusão
As gaiolas foram durante décadas o sistema de produção de ovos mais comum. Porém, a preocupação com o bem-estar das poedeiras tem motivado a renúncia a este sistema por parte de importantes produtores de ovos, empresas de transformação de alimentos, de distribuição alimentar, de restauração e de hotelaria. Em harmonia com este movimento, a Comissão Europeia anunciou recentemente a intenção de proibir a utilização de gaiolas em toda a UE, de acordo com um calendário que deverá ser tornado público até ao final de 2023.
Não obstante, a produção de ovos em sistemas alternativos pressupõe que sejam enfrentados importantíssimos desafios, com destaque para fatores económicos (aumento do custo de produção do ovo), financeiros (necessidade de investir em novas instalações e equipamentos) e técnicos. Dentre estes, sobressaem o aumento da prevalência de várias doenças, a degradação da saúde intestinal, o risco acrescido de picacismo/canibalismo, o aumento da taxa de mortalidade média, a existência de camas húmidas, o aumento dos níveis de poeira e de amoníaco, o aumento do risco de fraturas da quilha, a diminuição da produtividade média dos lotes e o aumento do consumo de ração.

*Este artigo foi publicado originalmente na revista Poultry World.